A interação entre o sistema digestivo e o cérebro vem sendo estudada há muitos séculos, porém apenas no século XIX surgiu o termo sistema nervoso entérico. Nos últimos anos o interesse pelo eixo intestino-cérebro (EIC) vem aumentando devido à interação entre algumas patologias que acometem tais sistemas.
Mais recentemente, a microbiota intestinal foi incluída no conceito de EIC, que passou a ser denominado eixo microbiota-intestino-cérebro, de maneira que doenças neurodegenerativas, transtornos psiquiátricos tais como ansiedade, depressão e transtorno do espectro autista (TEA) vêm sendo relacionados a alterações da microbiota intestinal e processo inflamatório.
O TEA é composto por alterações neurocomportamentais que podem se apresentar precocemente como: deficiências na comunicação e interação social e padrões restritivos e repetitivos de interesses, comportamento e atividades. A fisiopatologia do TEA ainda não foi totalmente esclarecida, porém atualmente muitos estudos descrevem a interferência entre a alimentação e o EIC com relação a doenças neuropsiquiátricas.
Um fator bem conhecido em pacientes com espectro autista são as alterações no hábito alimentar, sendo descritos desde aversão, seletividade até a recusa total de determinados alimentos e comportamentos obsessivos disfuncionais. Existe também nestes pacientes uma associação frequente (até 91%) de sintomas gastrintestinais, como constipação, diarreia, distensão gasosa e dor abdominal.
A Sociedade Brasileira de Pediatria lançou esse ano um documento científico buscando avaliar se existe relação entre alergia alimentar e TEA.
Na revisão científica, Lange et al apontam que as proteínas do glúten e da caseína possuem estrutura molecular similar e são metabolizadas para gluteomorfina e casomorfina. Essas são substâncias que se ligariam aos receptores opioides no SNC e mimetizariam os seus efeitos no cérebro com aumento da atividade no sistema opioide endógeno, de encontro a uma das teorias para explicar os sintomas do autismo, a “Teoria do excesso de opioides”.
No entanto, muitas pesquisas sobre a eficácia de manipulações dietéticas como tratamento adicional não farmacológico, com exclusão de glúten e/ou leite de vaca e exclusão de aditivos alimentares, forneceram resultados conflitantes, inconclusivos ou efeitos clínicos modestos. Dessa forma, os autores concluem que as evidências que suportam uma dieta sem glúten e/ou sem caseína para o espectro autista são limitados e de baixa qualidade.
Além disto, essas restrições alimentares podem se associar a rejeição social, estigmatização e dificuldades de socialização e integração, com potenciais efeitos adversos na doença em questão.
Certamente, processos alérgicos, quer sejam relacionados a alimentos ou não, assim como intolerância alimentar podem ocorrer em pacientes com TEA, representando fatores complicadores que devem ser abordados e tratados do mesmo modo que na população geral.
De fato, a interação entre a alimentação e o EIC se torna cada vez mais relevante e demonstrada nos estudos, porém ainda há muito a ser estudado sobre o efeito de dietas restritivas em pacientes com TEA.